A renúncia do verbo:

um olhar sobre a comunicação não-oficial em um grande banco brasileiro

João José Azevedo Curvello (ECA/USP - UCB)

Resumo

Este trabalho foi apresentado em Recife no XXI Congresso da INTERCOM, no dia 10 de setembro de 1998, e pretende mostrar como as manifestações não-oficiais de comunicação organizacional foram sendo literalmente dizimadas no interior de um dos grandes bancos brasileiros. Do incentivo inicial, passando por uma fase de proliferação, até a supressão dos meios e dos acessos, é possível perceber como o funcionário foi-se afastando ou sendo afastado da participação e do diálogo internos, ao mesmo tempo em que se implementava uma nova relação de trabalho.

Introdução – um novo olhar sobre o passado

O presente estudo constitui um retorno ao objeto de nossa dissertação de mestrado (Curvello;1993). Ali pesquisamos as inter-relações entre a comunicação interna e seus discursos integradores com a cultura organizacional de uma grande organização bancária brasileira. Hoje, renovamos nosso olhar sobre a mesma organização e focamos as iniciativas de expressão comunicativa dos empregados, e que se traduziam, em muitos casos, na edição de boletins e informativos denominados não-oficiais.

Esse espaço alternativo, vigiado de longe pelos administradores do passado, hoje é seriamente ameaçado pelas ações gerenciais que pretendem implementar uma nova relação de trabalho e um novo conceito de vida profissional.

Tentamos realizar um estudo comparativo, a partir de um recorte histórico que se inicia no começo da década de 90 e chega aos nossos dias. Três foram os momentos em que nos detivemos: o da primeira pesquisa qualitativa a tratar dos veículos não-oficiais (1990/1993); o da pesquisa quantitativa e qualitativa, quase um censo, realizada em 1995, antes das mudanças mais radicais implementadas nas relações de trabalho; e, por fim, a sondagem realizada em fevereiro e março de 1998. Embora realizadas em momentos distintos e adotando metodologias diferentes, tentamos extrair dos três trabalhos aqueles dados mais significativos e que de alguma forma são recorrentes.

Um dado que não pode ser descartado é que o momento em que realizamos a primeira pesquisa (1990 a 1993) foi caracterizado como um momento de mudanças. Cinco anos depois, é possível afirmar que a empresa que pesquisamos ainda está em mudança.

A mudança que permanece

Essa grande mudança organizacional se intensificou a partir de março de 1986, quando o Governo Federal, nas medidas complementares à redução do déficit público no âmbito do Plano Cruzado, extingüiu a denominada Conta de Movimento, mecanismo que permitia ao Banco pesquisado administrar livremente recursos do Tesouro. A existência dessa conta garantia à empresa os recursos necessários para manter-se e para implementar seus programas de fomento à atividade produtiva. Com isso, o Banco funcionava como uma espécie de autarquia de crédito, não precisando buscar recursos no mercado como a maioria dos demais Bancos. Essa autonomia financeira sustentou durante anos o que se pode chamar de função social da empresa (poderia contribuir com o desenvolvimento do País, investindo a taxas menores e prazos maiores, interiorizando o capital e expandindo fronteiras econômicas). A falta de necessidade de ir ao mercado captar recursos contribuiu para que a empresa não desenvolvesse uma cultura de mercado, de competição e, pior, fez com que a empresa não desenvolvesse uma visão de cliente.

O fato é que, de um dia para o outro, a empresa se viu obrigada a buscar recursos e a competir em um mercado desconhecido e se percebeu incompetente para a tarefa.

Projetos de capacitação em massa foram desencadeados, a comunicação interna reforçou apelos integrativos na busca de preparar as consciências para a competição, para a busca dos recursos e para a viabilização do lucro. Tudo isso em um ambiente político turbulento e sob a forte influência sindical e corporativista.

As resistências surgiram e se cristalizaram com maior força nesse período. Um grande segmento dos funcionários passou a ver na mudança, que lhes parecia imposta por forças externas, uma tentativa de enfraquecimento do Banco, de desmonte, de destruição da identidade. Identidade essa tida e vista como em crise. Essa afirmação da crise de identidade, de uma empresa que não sabe se é uma coisa ou outra é exposta em inúmeros comunicados internos e proferida em discursos de vários diretores e presidentes. O dilema básico é o de ser social ou de mercado.

Esse dilema, a que Everardo Rocha (1995) denomina imagens da cultura, decorre da dualidade típica da cultura brasileira (pendular entre uma ética burocrática e uma ética pessoal, segundo Roberto Da Matta), que parece colocar sobre o Banco a obrigação de ser uma coisa e o seu contrário ao mesmo tempo. O paradigma desse dilema está no fato e na constatação de que a empresa precisa ser ágil, enxuta, moderna e voltada para o mercado e, ao mesmo tempo, ums instituição que deveria alavancar o progresso, numa espécie de missão civilizatória e ideal voltada para o social.

No caso específico do Banco, muitos funcionários defendem a escolha radical de uma dessas opções: ou volta a ser eminentemente social ou passa a ser um banco comercial como qualquer outro. Aliás, essa expressão como qualquer outro é bem ilustrativa da gênese do dilema.

Nas entrevistas com os funcionários, observamos que o fato de serem diferentes dos demais bancários era um fator integrador e identificador do funcionário do Banco. Era o que garantia o seu status diferenciado, o que justificava sua remuneração mais elevada, afinal trabalhavam para o progresso do País e tinham a certeza de que ninguém fazia isso melhor do que eles. Essa auto-imagem fica abalada quando a comparação passa a ser feita com os demais bancários (trabalhadores do lucro dos banqueiros, no dizer de um funcionário).

Em estudo que também realizou sobre a cultura organizacional da empresa, Everardo Rocha (op.cit.) constata a existência de três vertentes do social dentro da organização. Uma seria a visão romântico/civilizadora, atrelada a um sentido missionário; outra, a visão corporativa/burocrática, em que o social se volta para o atendimento das necessidades do funcionário e aí se destacam as imagens de segurança, estabilidade, assistência, salário, benefícios, etc; e uma terceira, marcada pelo modelo elitista/predador, em que o social de caracteriza pelo uso indevido do Banco, através das máscaras e muitos rostos das elites econômicas, políticas e sociais. Por outro lado, a visão de mercado estaria intimamente ligada à modernidade.

Esse dilema ainda cria problemas concretos, como os vivenciados nas subculturas de agências, onde não se resolveu, ainda,como tratar e atender clientes (ligados à visão de mercado) e usuários (parte do social). Onde ainda não se definiu se o cliente que dá lucro é o que detém mais recursos ou aquele que mais necessita da empresa. Em muitos casos, ainda, o cliente não é sequer percebido como alguém importante para a sobrevivência do negócio. Ainda se ouve a anedota de que o cliente desse Banco ao entrar na agência fez um favor, se não entrar, terá feito dois.

Essa introdução temática acerca do dilema ainda vivido pela empresa (social/mercado) traduz, em suma, a mudança que se está operando na empresa. A seguir, tentaremos descrever algumas mudanças estruturais e gerenciais implementadas e as reações geradas nos funcionários.

Na dissertação de mestrado, já detectavamos que:

"... Quando a empresa muda, como passou a mudar a partir de 1979, e mais significativamente a partir de 1986, e busca atuar agressivamente no mercado, busca o lucro através da modernização, a cultura tradicional reage e emperra a mudança, tornando-a mais lenta, mais digerível.

Paralelamente, os funcionários vêem na mudança um ataque à solidez da organização, uma ameaça de perda da última função remanescente, a de agente do desenvolvimento, econômico e social do país." (Curvello, 1993:125)

Ali também descrevíamos a transição cultural na empresa, quando o funcionário:

"...prega a continuidade das mudanças por que passa a organização. Prega uma troca da burocracia pela tecnologia; do empirismo pela profissionalização; da dependência externa e interna pela independência.

Mas essas mudanças são mediadas e avaliadas à luz da cultura tradicional como tendo necessariamente de conciliar a manutenção da identidade com a necessidade de se modernizar. Ou seja, tornar-se rentável e competitivo, sem correr o risco de o banco se guiar unicamente pelo fetiche do dinheiro e do lucro (ENQUETE:1990,43)".

Nesse instante da mudança, que no seu bojo, traz sempre desajustes administrativos, que se refletem nas relações interpessoais, injustiças e ameaças, há uma tendência muito forte de os funcionários se refugiarem na racionalização dos valores tradicionais e negarem a mudança. Esse refúgio geralmente se manifesta num recrudescimento do espírito de corpo. Quando os valores básicos são ameaçados, geralmente o corporativismo se manifesta mais forte e é incentivado e conduzido por quem estiver mais próximo ou mais identificado com o funcionário," seja a direção, seja o sindicato, seja quem for" (ENQUETE:1990,43).

O que os funcionários, em suma, na sua maioria desejam é integrarem um banco moderno, com bons e eficazes recursos tecnológicos, que desempenhe um papel de apoio ao desenvolvimento social, que atenda bem seu público, com independência em relação ao governo, que os respeite enquanto funcionários e que seja respeitado pela sociedade.

Isso significa mudança, que mesmo considerada necessária, não é percebida nem aceita por todos. O que gera o conflito da transição cultural..." (Curvello, 1993: 100-101)

Essas percepções acerca da mudança se repetem em duas pesquisas de clima organizacional realizadas em 1995 e 1996. Os funcionários, pelo menos no discurso manifesto, mostram-se conscientes da necessidade de mudança e aparentemente concordam com as conseqüências que certamente sofrerão: redução do número de funcionários e mudança de atitude voltada, agora, para uma maior profissionalização. A competitividade também é introduzida e assumida nos discursos oficiais.

Mas perguntamos: os funcionários e suas subculturas aceitam isso?

Ao mesmo tempo que uma parcela de funcionários, segundo os dados de pesquisas realizadas pela empresa, passa a perceber um novo banco e a assumir nova postura diante da empresa e dos clientes, outro segmento expressivo dos funcionários assume a figura que Rocha (op.cit:50) denomina renunciador, identificando-se com a face negativa do modelo corporativo/burocrático. É o típico funcionário que desiste, se encosta, se aposenta, renuncia. Essa imagem, semelhante ao desenho do vilão organizacional por nós construído a partir da pesquisa de mestrado, se opõe à visão do conciliador, também muito próxima à dos heróis organizacionais. O herói supera o paradoxo e une, magicamente, as duas faces do dilema social/mercado.

Outra mudança, mas que não se opera em ritmo tão lento quanto à da identidade organizacional, diz respeito a um dos valores mais caros à organização e seus funcionários: a destruição da estabilidade. A estabilidade traduzida no horizonte de carreira, na segurança da promessa de um emprego para toda a vida e apontada como um dos elementos motivadores do vínculo entre funcionários e organização.

Pois essa espécie de acordo tácito foi quebrado unilateralmente em julho de 1995, quando o Banco implementou o Programa de Desligamento Voluntário - PDV. Esse programa, que se transformou em paradigma seguido até por governos de esquerda, tinha uma característica de voluntário, mas ao mesmo tempo em que estabelecia meta para o corte de pessoal, reduzia os quadros das agências e unidades e não deixava claro o que seria feito se a meta não fosse atendida, impunha uma insegurança típica dos programas autoritários.

Nos bastidores da empresa não faltam relatos dramáticos das reações dos funcionários. Cenas de choro, desânimo, tristeza, medo e ansiedade relatadas por funcionários e gerentes. O prazo curto para adesão praticamente inviabilizou reações organizadas. Os sindicatos não conseguiam sair da dúvida em se atacavam o plano e inviabilizavam sua implementação ou se o aceitavam e buscavam extrair mais vantagens para os funcionários. O ambiente interno, atônito, não oferecia opções para manifestações, greves ou outra forma de pressão. Os sindicatos e os funcionários contrários ao plano passaram então a relatar à imprensa e à classe política as mazelas do funcionalismo. Notas sobre suicídios supostamente motivados pelas pressões e relatos de perseguições internas começaram a aparecer na grande imprensa. O país acompanhava, atento, ao que se passava numa de suas mais tradicionais organizações.

Internamente, um esforço integrado de comunicação como nunca antes realizado trabalhava com o principal componente do processo: a informação. As várias edições do boletim eletrônico Extra, criado exclusivamente para a ocasião, batiam recordes e mais recordes de acesso em computador e em meio impresso. O boletim do representante dos funcionários no conselho de administração, transmitido da mesma forma, perdia espaço à medida em que os funcionários pediam informação e recebiam de seus porta-vozes apenas discurso. A informação virou monopólio dos veículos oficiais. E, como jamais realizado antes, nada deixou de ser dito aos funcionários. O resultado: a meta foi praticamente atingida e a relação banco/empregado jamais será a mesma. A pesquisa de clima realizada logo após o plano atestou que o funcionário não via mais o Banco como o seu emprego para toda a vida.

Um novo conceito passou a ser implementado, o da empregabilidade. Com ele, passaria a vigorar uma nova relação e uma nova forma de gerenciamento de carreira. Esse gerenciamento, pelo menos é isso o que vende o discurso da mudança, passaria a ser feito pelo próprio funcionário numa busca constante pelo aprimoramento profissional. A base do conceito está em o funcionário sentir-se empregável na empresa ou fora dela. Mas esse novo conceito é ainda só um conceito. Não há a contrapartida da prática organizacional. O tão esperado programa de profissionalização que fixaria as novas bases da estrutura de carreiras foi adiado por quase um ano, com o agravante de que não foi negociado. Sua implementação, por fim, há pouco mais de um ano, foi precedida de grande campanha mobilizadora junto aos empregados, no sentido de obter o maior número de adesões. Renomados pesquisadores da área de organizações e de RH foram convidados a desenvolver textos especiais relativos à nova realidade do emprego, na intenção de estimular o funcionário a buscar o aperfeiçoamento constante. É fato que o programa vem amealhando prêmios, tanto na área de comunicação como na área de RH, mas os seus resultados ainda não são visíveis. Além disso, recente pesquisa interna revelou uma certa resistência dos empregados às idéias e programas propostos nos fascículos, embora a grande maioria reconheça que o seu crescimento na carreira está irremediavelmente atrelado à profissionalização. Mesmo assim, muitos empregados sequer lêem os fascículos, alegando que estes tratam o funcionário como "criança", nas palavras de uma funcionária da Direção, e que tentam implementar o novo resgatando o surrado discurso de "mão no ombro", bem típico dos tempos áureos da gestão maternal dos recursos humanos (vide Curvello, 1993). Mais uma vez, as contradições entre discurso e prática afetam a forma como os funcionários vêem a empresa e a si mesmos.

É nesse contexto, ainda caracterizado como de mudanças, que resolvemos retomar a análise sobre as iniciativas de comunicação que surgiam no meio dos funcionários, longe dos olhos sempre atentos da direção. Iniciativas essas que se materializavam em veículos de comunicação muitas vezes alternativos e não autorizados. Algo que enquadramos sob o título de comunicação informal quando da dissertação de mestrado, mas que agora, numa tentativa de encontrar um termo mais apropriado e não tão abrangente, denominamos de "comunicação não-oficial", uma vez que o termo informal envolve todas as manifestações comunicativas que acontecem sem a autorização da direção e sem perpassar os caminhos hierárquicos, como as conversas, os gestos, os olhares, a rede de rumores e boatos, etc.

Nas pesquisas antes realizadas, já havia sido detectada uma característica muito interessante sobre a relação que os funcionários mantinham com a empresa. Relação essa que descrevemos como simultaneamente de amor e de ódio e que se traduz num alto grau de comprometimento e preocupação dos funcionários para com o futuro da empresa e para com seu próprio futuro. Mesmo que não fosse chamado a opinar, o funcionário opinava, manifestava a sua posição ou a posição do grupo a que pertencia na Empresa.

O quadro encontrado no Banco é muito semelhante ao levantado por Omar Aktouf (1994) no estudo de uma empresa argelina de perfuração de petróleo, que descreveu como um caso de cultura do passado e de identidade em processo de mudança.

Lá, como no Banco, estaria ocorrendo uma perda de identidade por mudanças, geralmente implementadas a partir da reestruturação e da reorientação dos objetivos da organização. Nesta organização, como vimos, essa perda da identidade se materializou numa crise que só agora parece arrefecer.

No Banco, as opiniões compartilhadas acerca da Empresa desejada e idealizada vêm também do experimentado e vivido no período que antecedeu o início da mudança mais radical, o que atestaria o que nos diz Aktouf (op.cit.:75): "os símbolos, as representações a mitologia, os valores, todas essas pontas da superestrutura não podem ter uma existência independente. Sua existência só é possível através de suas relações com elementos correspondentes da infra-estrutura. Em outras palavras, para que uma superestrutura seja nutrida por crenças de comunidade, de igualdade, de fraternidade, de eqüidade, de comunhão de interesses, de convergências entre o ideal de si e o ideal da organização, é preciso que tudo isso seja experimentado e vivido materialmente". Ou seja, toda mudança precisa ser vivida e experimentada, digerida lentamente, em suma, para se transformar numa nova ordem de coisas. Todo discurso comunicativo nesses processos precisa estar, também, ancorado na realidade.

1990-1993 - O não-oficial imita o oficial

Na pesquisa que realizamos para o mestrado, no ínicio da década, dedicamos uma atenção especial aos veículos de comunicação não-oficiais, que surgiam no interior das dependências do Banco, como forma de suprir as carências internas de informação, e também como forma de construir uma identidade de pertencimento, de grupo. Como foi possível atestar, a maioria dos veículos não-oficiais se concentrava em grandes dependências, onde quase sempre se tornava difícil o relacionamento humano direto. Era aí que esses veículos entravam: para fazer com que as pessoas se conhecessem e se entendessem, ainda que não se tocassem, nem se vissem. Embora não possamos identificar a simples existência de veículos com a existência de comunicação, pois esta constitui um processo bem mais amplo que a simples transmissão de informações – comunicar é comungar, partilhar, tornar comum a outros, é interação, em suma - foi possível perceber, na época, que os veículos contribuiam para a formação de uma identidade, a partir principalmente da troca de experiências socialmente significativas e da reciprocidade de pontos de vista.

Interessante notar que, no início, essas iniciativas não-oficiais eram incentivadas pela estrutura formal e até mesmo propagadas pelo principal veículo oficial. A redação do veículo opicial detinha um verdadeiro arquivo de publicações não-oficiais. Foi lá que encontramos e selecionamos as seguintes publicações, que analisamos qualitativamente para a dissertação de mestrado: -Bipancas - Pancas (ES), 30.08.88; -Bipimenta - Pimenta Bueno (RO), nºs 15 e 16;-Bip Caro - Cacoal (RO), nº 1, 07/88; -O Serigy – Centro de processamento Aracaju (SE), nº 54, 18.08.88; -De Mão em Mão - Porto Alegre (RS), 17.08, 07.11, 13.12.89 e 01.06, 14.06.90; -BIS - Superintendência (PB), nº 18, 12.89; -BBIS – Superintendência (RS), nº 46; -O Assessor – Superintendência SETEC (RS), 12.89; -ISB, Informativo de Sr.do Bonfim (BA), 30.11.89; -Informe CEASP – Centro Médico (MS), nº 7, 10.89; -Vala Comum – Centro de processamento Araçatuba (SP), nº 40, 31.10.89; -BIC - Boletim informativo da Central - Brasília (DF), Ed.Extra-Atendimento. -Tchesec – Centro de processamento Passo Fundo (RS), nº 34 e Verbo – Centro de processamento Santo Amaro-São Paulo..

Essas publicações, especificamente nos centros de processamento, foram tema de uma discussão entre o departamento de Organização e Métodos e as áreas de comunicação do Banco entre 1983 e 1984, terminando com um parecer emitido por uma das áreas de comunicação, em 04.06.84, despachado pelo então vice-presidente de administração em 19.07.84. O parecer considerava "válida a iniciativa de caráter não-oficial, principalmente por concorrer para amenizar as rígidas rotinas de trabalho dos Centros de Processamento, permitindo maior integração e motivação dos funcionários, através da veiculação de matérias diversas, onde se destacam as voltadas para a formação profissional".

A comunicação não-oficial, ainda segundo o parecer, "contribui para os propósitos de comunicação interna pensados pela Superior Administração ao permitir maior participação e exercício da criatividade dos servidores".

O despacho do vice-presidente passou ao departamento de organização e métodos a responsabilidade de controlar as publicações para que não se afastassem da "linha traçada de simples amenidades e informações genéricas".

Esses veículos, que muitas vezes eram fruto de uma iniciativa pessoal ou grupal dos funcionários, não se encontravam disseminados de forma homogênea, estando mais concentrados em alguns estados, como Rio Grande do Sul e São Paulo, do que em outros. Embora disseminados, os mais resolvidos editorialmente encontravam-se nos centros de processamento e nas grandes e médias agências.

O que captamos na análise dessas publicações foi que, na verdade, elas eram cópias nada disfarçadas do boletim oficial (os próprios nomes são significativos), centrando sua ação editorial nas amenidades e nas informações relativas ao funcionalismo, além de relatarem detalhes dos serviços. A cultura permeada da empresa fez criar uma certa uniformidade de conteúdos na informalidade da iniciativa da comunicação.

O que atesta nossa percepção de que o discurso dos funcionários não tende a ser contra-hegemônico, como se poderia supor em se tratando de funcionários "dominados" pela organização. Os funcionários, isso sim. se apropriam dos códigos comunicativos organizacionais e, sem provocarem ruptura em momento algum, reescrevem-nos ao sabor das necessidades locais.

Uma pesquisa encomendada pela empresa (IBEC, 1991:47) aponta que o tom dessas publicações é o de "força-tarefa", com exortações à iniciativa, à boa vontade e ao esforço pessoal, com menções ao bom desempenho do funcionário (aqui, diferentemente da comunicação oficial dá-se nome e sobrenome ao agente social), com pequenas definições sobre o bom entendimento em forma de clichês, pedidos de colaborações, críticas e sugestões, etc. Predomina um clima de exaltação ao trabalho, à empresa, à direção, aos funcionários como membros de um conjunto harmônico e dinâmico. Naquela pesquisa, como nessa, é possível ver que a comunicação, mesmo a informal, oculta as contradições, as insatisfações, o conflito. "Trata-se de uma idéia de comunicação que implicitamente procura situar a motivação na relação social entre os funcionários (a sessão de fofocas é um exemplo -explicação nossa) e não no desempenho e na realização das atividades profissionais" (IBEC:1991,48).

Já no início da década, alguns boletins, contudo, enveredavam pela polêmica, trazendo acusações, queixas e reclamações sobre o Banco e sobre a situação política e econômica do País. Isso certamente refletia o alto grau de politização do funcionalismo, mas causou apreensão nos escalões superiores, que viram, de imediato, a necessidade de controlar as manifestações informais. Como a informalidade não é valor cultural aceito na organização (Curvello, 1993), as áreas de comunicação eram constantemente cobradas no sentido de estudarem e classificarem essas publicações informais, para posterior "regulamentação e padronização".

1995 – proliferação e qualidade

No primeiro semestre de 1995, demandados pela direção do Banco, realizamos um amplo levantamento interno para melhor conhecer a realidade dessa comunicação informal.

Dados quantitativos

No dia 26.04.95, foram enviados questionários a 2.257 caixas postais eletrônicas da rede interna de computadores. Até 18.05.95, haviam retornado 1.672 via eletrônica e 296 via malote. Aproximadamente 300 dependências não responderam. Das que responderam, 1.726 dependências informaram que não editavam veículo de comunicação. Nas demais, eram editados 242 boletins. Desses, 220 destinavam-se aos funcionários, sete a clientes e 15 tinham público híbrido (clientes e funcionários). Sessenta e nove eram diários, 35 semanais, 17 quinzenais, 54 mensais, 12 bimestrais e 55 circulavam eventualmente.

Na sua grande maioria, os veículos eram editados por funcionários . Em 173 dos veículos, o trabalho de edição era feito no horário de expediente e em 66, fora do horário de expediente. Em três veículos, a edição estava a cargo de terceiros, no caso estagiários do CIEE, estudantes de comunicação.

Havia uma predominância dos veículos impressos. Eles somavam 222 contra apenas 20 eletrônicos. As tiragens, em geral, eram pequenas: 137 veículos circulavam com menos de 100 exemplares, 55 entre 100 e 500 exemplares . Com mais de 500 exemplares foram encontrados 30 veículos.

Como regra, predominavam as edições amadoras: 79 veículos eram produzidos internamente, via mimeógrafo ou fotocópia, outros 97 eram editados em computador e impressos matricialmente. Treze veículos eram impressos nas gráficas do Banco e 33 em gráficas contratadas.

 

 

Impressões da análise qualitativa

A maioria dos veículos trazia informações de interesse local. Muitos constituiam-se de apenas uma folha com as principais informações gerenciais (taxas, tabelas, valores) e outras de interesse geral (decisões do comitê de administração, aniversários, funcionários em treinamento, chamadas para leitura de matérias publicadas nos boletins oficiais, frases ou pensamentos ligados à qualidade, etc.). Os veículos com essas características se concentravam mais em agências.

O programa de Qualidade Total e as ações implementadas nas diferentes unidades eram os responsáveis pelo maior índice de matérias e boletins mais bem-elaborados. Por trás, era possível detectar a iniciativa das Equipes de Auto-Desenvolvimento. Um dado semelhante aos encontrados nas pesquisas anteriores foi o fato de que o maior número de publicações encontravam-se nos Centros de Processamento. Juntamente com as Superintendencias, esses centros eram os responsáveis pela produção dos boletins com melhor qualidade de impressão e com linha editorial mais bem definida. Dois dos veículos pesquisados: um, de um centro de processamento de São Paulo, e outro, de uma agência de Belém do Pará, assumiam-se como críticos ferrenhos da administração da empresa e enfocavam, nas suas edições, assuntos normalmente ocultados ou não tratados com a devida profundidade pelos veículos oficiais. Diferentemente do boletim paulista, mais sóbrio, o boletim paraense adotava um tom nitidamente panfletário.

Vale ressaltar que, além desses veículos não oficiais e dos oficiais (que totalizavam quatro, em meio eletrônico e impresso), circulam pela organização os boletins e jornais ligados a entidades dos funcionários. No correio eletrônico da empresa ainda circula o boletim do representante eleito pelos funcionários para o Conselho de Administração e que, desde sua fundação, em 1991, virou um contraponto ao discurso oficial, criticando, reivindicando e até conclamando os empregados a tomarem atitudes contrárias às ordenadas pela Direção.

Outro fenômeno que interfere no processo de comunicação da empresa é que, aos poucos, vêm sendo implementada uma nova forma de participação, de tipo plebiscitário, típica das democracias diretas, mas que se choca, ainda, com a cultura hierárquica e, principalmente, com o princípio da autoridade e da racionalidade gerenciais. Os funcionários chegaram, inclusive, a votar a aprovação de uma proposta de acordo coletivo feita pela empresa, à revelia dos sindicatos e outros representantes. Um desses movimentos plebiscitários, particularmente, gerou forte polêmica interna e motivou a implantação de mudanças no correio eletrônico da empresa. Enquanto os veículos oficiais foram porta-vozes da vontade da direção, muitos funcionários se utilizaram das faculdades do sistema de criar grupos de distribuição de mensagens e enviar e reenviar automaticamente memorandos eletrônicos, para montarem uma verdadeira rede subterrânea de oposição. Na tentativa de controlar a livre troca de informações, entendida, ainda, como desperdício de tempo e de recursos de sistema, a direção não tardou em implementar reformas no sistema de correio eletrônico, impedindo que as mensagens possam ser retransmitidas, limitando o número de linhas para os textos, deletando as mensagens após alguns poucos dias, burocratizando o envio de mensagens oficiais (que só podem circular pelas caixas postais autorizadas), entre outras medidas "saneadoras". Para os administradores da empresa, a "conversa" eletrônica também era vista como "perigosa" para o bom andamento dos serviços. E os veículos não-oficiais? Teriam sobrevivivido às mudanças?

1998 – A renúncia

Em fevereiro deste ano, por conta de mais um processo de reestruturação, um grupo de funcionários de várias unidades foi designado para repensar os múltiplos veículos internos, buscando uma racionalização do sistema. Os funcionários da equipe, dado a exigüidade de tempo disponível, realizaram uma rápida sondagem telefônica a 20 unidades da empresa, optando por contatar aquelas que detinham o maior número de veículos e aquelas em que as pesquisas anteriores haviam detectado a presença de veículos com uma constatada maturidade editorial.

O levantamento realizado constatou que os veículos de pauta editorial mais diversificada teriam sido praticamente extintos, restando, apenas, aqueles de uma página e que se limitavam a resumir e traduzir os informativos oficiais.. Para os funcionários contatados, a principal razão seria a perda da relação de pertencimento, de grupo e o desencanto (renúncia) com os rumos da organização. Algo como um casamento desfeito, sem promessas concretas de reatamento. Desmotivados, os funcionários renunciam e se calam.

A opção organizacional pela homogeneidade

Apesar de todas as mudanças implementadas, entre elas uma nova estrutura organizacional e um modelo de gestão colegiada, a empresa pesquisada ainda se ancora sobre uma rígida hierarquia, reforçada diariamente pelos vários informativos oficiais. Aqui encontramos uma contradição: os discursos comunicativos institucionais, via profisssionalização, principalmente, também pregam uma postura empreendedora dos empregados. Empreendedorismo e hierarquia nem sempre combinam. E a resposta geralmente vem em forma de paralisia, de medo de agir.

Também vimos que, desde o PDV, se configurou uma espécie de monopólio virtual da informação nas mãos da direção e seus meios de comunicação, numa tentativa de pasteurizar e uniformizar as formas de expressão internas. Mas o discurso que pasteuriza tende a se esgotar em si mesmo, a perder o poder de sedução.

Os esforços para suprimir as diferenças caminham na contra-mão daquilo que nos ensinam autores como Aktouf (1996), Marlow e O´Connor Wilson (1997), Larkin e Larkin (1994), entre outros, pois ao suprimir o diálogo e o livre fluxo de idéias, os administradores acabam por privilegiar o controle, além de estarem fechando as portas a uma infinidade de novas possibilidades. No caso da organização pesquisada, como vimos, a maioria dos veículos não assumia uma postura contra-hegemônica. E mesmo aqueles veículos de linha editorial mais independente e crítica se mostravam úteis para a organização, na medida que promoviam novas formas de olhar e abordar determinadas questões. Foram jornais como o Verbo, de São Paulo, que primeiro discutiram temas como as Lesões por Esforços Repetitivos e prevenção à AIDS, por exemplo, e que só mais tarde entraram na pauta oficial.

O que mais choca, na análise, contudo, é o fato de que os empregados dão sinais de desistência. Renunciam à palavra e se distanciam cada vez mais do cotidiano da organização. Mostram-se aparentemente conformados com um destino que não escolheram. Assumem-se niilistas, naquilo que de pior a palavra pode representar. As pesquisas oficiais continuam afirmando que o funcionário está consciente do que a organização espera dele nesses novos momentos. Mas basta uma breve leitura dos sinais não-verbais para perceber que nem todos estão convictos disso. O que empregados e organização precisam perceber, agora, é que comunicar-se, ainda que sob os limites da hierarquia, ainda que vigiados, ainda que ninguém responda, é um exercício de liberdade e uma forma de dizer: estamos vivos e não fugimos da raia.

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